A pandemia fez com que o trabalho remoto se tornasse realidade em todo o mundo. No Brasil não foi diferente. Em muitos casos, as empresas aderiram ao home office por tempo indeterminado. Outras optaram pelo retorno, aos poucos, ao regime presencial. E é justamente aí que surgem questões que precisam ser observadas, principalmente diante do momento excepcional de crise sanitária. A mais polêmica de todas, sem dúvidas, é a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19. Os empregadores, nesse caso, poderiam exigir dos colaboradores o comprovante de imunização sob o risco de eles serem demitidos? O assunto, que vem sendo bastante discutido nos tribunais desde o início do ano, ganhou força com o decreto do governo do Rio Grande do Norte, publicado nesta quarta-feira (27), que transforma a falta de vacinação em “falta disciplinar”, podendo gerar sanções e até mesmo a demissão dos servidores públicos em caso de repetidas recusas.
O que o Ministério Público do Trabalho orienta?
De acordo com o guia técnico emitido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), a orientação é voltada à iniciativa privada e sugere que as empresas invistam na conscientização, mas o entendimento é o mesmo ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da compulsoriedade na vacinação e indiretamente que a recusa injustificada à vacina pode até acarretar desligamento por justa causa, uma vez que ninguém teria a prerrogativa de colocar em risco a saúde dos demais colaboradores.
Quando o direito coletivo se sobrepõe ao individual
Mas, o que diz a Constituição sobre direitos fundamentais, sejam eles individuais ou coletivos? E como eles são aplicados quando, aparentemente, há contradição? A resposta para essa questão é: não há direito absoluto. Em certas situações os direitos individuais de liberdade, vida privada e intimidade podem ser limitados em prol do bem-estar coletivo, assim como o inverso, sendo obrigatório dizer que nas condições normais o direito coletivo de proteção à saúde e bem estar da coletividade deve se sobrepor aos direitos individuais mencionados.
Afinal, de nada servirão os avanços da medicina na pesquisa e o desenvolvimento de novas vacinas se não houver uma adesão da sociedade às campanhas de vacinação. Ou seja, quando um trabalhador se recusa a ser imunizado para retornar ao regime presencial, está colocando em risco todo o ambiente de trabalho. E isso é o que vem sendo entendido pela Justiça, como afirma o advogado João Pacheco Galvão de França Filho, especialista em Direito Trabalhista, do escritório SFCB Advogados.
“Em condições normais, pelo respeito à solidariedade, objetivo da República inscrito no artigo 3º da Constituição Federal, e da proteção da saúde da coletividade, aplica-se a compulsoriedade na vacinação, sendo que a recusa injustificada poderá até acarretar em dispensa por justa causa. Os tribunais já se posicionaram neste sentido, sobretudo quando os empregadores conscientizam os colaboradores e, mesmo assim, permanece a recusa na vacinação.”
Ainda, de acordo com o advogado, a orientação é de que as demissões ocorram apenas como última alternativa depois de reiteradas tentativas de convencimento por parte do empregador da importância da imunização em massa:
“É de extrema importância o papel do empregador, pois este deve conscientizar os colaboradores da importância da vacinação e do impacto deste ato no ambiente de trabalho e na sociedade. Após esta campanha preventiva, se ainda assim algum colaborador recusar-se à vacinação, há espaço para aplicação de medidas sancionatórias graves, desde que não haja justificativa plausível do empregado”.
A obrigatoriedade da imunização mesmo no trabalho remoto
E quando o colaborador permanece em trabalho remoto, a empresa pode tornar a vacinação compulsória? Apesar de ser uma questão bem mais complexa, a solução mais conservadora seria a não exigência da vacinação por não lesar diretamente o ambiente de trabalho.
Apesar de tal posição, João Pacheco Galvão de França Filho afirma que a Justiça pode entender que o tomador de serviços pode sofrer danos indiretos com a recusa do colaborador.
“Em breve teremos discussões sobre a obrigatoriedade da vacinação da COVID-19 também aos colaboradores em teletrabalho, isso porque ainda que não haja lesão direta ao ambiente de trabalho, pode haver riscos indiretos relacionados, como, por exemplo, a sinistralidade dos planos de saúde, o pagamento dos primeiros quinze dias de afastamento do empregado e o prejuízo com sua ausência nos dias posteriores”.
A posição mais conservadora
Além da discussão sobre a vacina, vale destacar que o empregador, ao exigir o retorno ao trabalho presencial, também deve cumprir alguns requisitos, previstos no artigo 75 – C, §2º da CLT, como o registro de um aditivo contratual, a concessão de 15 dias para que o colaborador se adapte à nova rotina, bem como garantir a ele que a mudança não vá lesar a sua saúde.
Como toda regra, há exceções
Mas há ressalvas em que o direito individual da liberdade em não vacinar prevalece, como em relação a grávidas ou portadores de doenças que impossibilitem a imunização em determinado momento. Nesses casos, o diálogo e o bom senso precisam ser levados ainda mais em conta.
“Em condições em que a vacinação possa lesar o colaborador, como, por exemplo, na existência de doença que a vacina possa agravar, a compulsoriedade na vacinação deve ser mitigada pelo bom senso e razoabilidade, sempre lembrando que as particularidades de cada caso devem ser levadas em conta na decisão de cobrança pela imunização”, explica o advogado Humberto Henrique de Souza e Silva Hansen, também sócio do escritório SFCB.
Uma coisa parece ser certa: o assunto vai render – e já vem rendendo – muita discussão, seja na iniciativa privada ou no serviço público.