Soutinho: o homem que virou sal
Um dos nomes mais conhecidos do setor salineiro, o empresário potiguar Francisco Souto Filho, o “Soutinho”, faleceu no último dia 24 de fevereiro, aos 95 anos. Nesse sábado (12), a esposa de Soutinho, Edith Souto, de 86 anos, foi à salina de Grossos, que ele administrou durante grande parte de sua vida, para cumprir o principal desejo do empresário: virar sal. Após ser cremado, os restos mortais foram depositados num mecanismo composto de uma bomba mecânica que suga a água do mar.
Depois disso, o desejo de Soutinho pôde se concretizar por meio do mecanismo comum de produção do composto: a água com as cinzas, levadas por declive natural, passaram pelo processo de concentração da água do mar – de cristalização do cloreto de sódio, colheita e lavagem – até chegar à fase final, a moagem do sal.
Dona Edith conta que o empresário sempre deixou claro que esse era seu grande desejo, abastecido diariamente pelo amor que sempre nutriu pela salina. “Toda vez que a gente se reunia com nosso advogado e também com amigos, ele afirmava que queria ser cremado e queria que suas cinzas fossem jogadas no bombeamento de água [da salina]”, explicou.
“Todos esses anos que nós vivemos juntos, ele ia diariamente à salina. Era o amor da vida dele”, afirma. “Durante o bombeamento, enquanto a água caminha com as cinzas, eu digo: Vai, Soutinho, continua fazendo o bem que você sempre quis fazer”, conta Edith emocionada, ao explicar que o desejo do marido foi cumprido da maneira como prometido.
Soutinho e Edith se casaram no dia 25 de agosto de 1954. Eles se conheceram dois anos antes, durante a festa de Santa Luzia, em Mossoró, no Oeste potiguar. Ela lembra, em detalhes, como tudo aconteceu. “Nos conhecemos no Colégio Diocesano [de Mossoró]. Começamos a namorar e, no ano seguinte, noivamos, no dia 16 de fevereiro de 1953. Em agosto de 1954, casamos, com a bênção de monsenhor Raimundo Gurgel, que foi meu professor e orientador de catecismo”, relata.
“Foi uma festa muito bonita, com todos os nossos familiares reunidos. É o momento mais marcante de toda a minha vida”, descreve dona Edith, de forma carinhosa.
Depois de tantos anos de casados, os dias sem o marido têm sido difíceis para ela, que continua morando em Mossoró. O casal não tem filhos. “Esses dias foram péssimos. Realmente, passamos muitos anos juntos. Viajamos, fizemos muita coisa boa e tivemos momentos difíceis também, mas eu tinha a companhia dele, e hoje, não tenho mais”, afirma dona Edith, ao se emocionar novamente.
Para ela, o fundamental no momento, além de concretizar o desejo do esposo, é lembrar do quanto importante ele fora em vida. “Soutinho ajudou muita gente, era bom. Tinha um coração imenso. Eu comparo ele a São José, o pai de Jesus, que tinha um coração muito bom. Pois Soutinho era assim. Nunca teve raiva de ninguém, nunca se preocupou com a ruindade do mundo. Eu era quem advertia a ele quando as coisas não estavam certas. Fui quase um baluarte na vida dele, ajudando em todos os momentos”, pontua.
Perfil
Francisco Ferreira Souto Filho, o “Soutinho” morreu no último dia 24, em Mossoró, no Oeste potiguar. O empresário nasceu em Areia Branca, no dia 7 de agosto de 1926. Foi presidente do Sindicato da Indústria da Extração do Sal do Estado (Siesal/RN) por 67 anos. Soutinho deixou de lado o curso de Direito para assumir os negócios da família – algumas fazendas, e salinas na região Oeste, nas cidades de Areia Branca, Grossos e Mossoró.
Segundo Edith Souto, viúva do empresário, Soutinho fazia o terceiro ano da faculdade em Maceió (AL), quando o pai faleceu. “Então, ele saiu da faculdade, veio embora e assumiu, sem nunca ter trabalhado, a firma da família, que sempre levou a crescer”, explica, ao lembrar dos amigos que fizeram no setor salineiro.
“Convivemos com doutor Guilherme Pessoa de Queiroz, da Companhia Comércio e Navegação, com o presidente da Abersal, Afrânio Manhães Barreto e continuamos a conviver bem com todos os que pertenciam à Siesal e a Fiern. Foi Soutinho, junto com Expedito Amorim que, praticamente criou a Fiern”, rememora.
No mês passado, após a cremação, Soutinho recebeu uma homenagem na Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (Fiern). Edith Souto lembrou que, à ocasião, personalidades e amigos comentaram sobre a vida do empresário. “Ele recebeu homenagens do presidente do sistema Fiern e também de Henrique Eduardo Alves. Aliás, a vida política de Henrique começou na nossa casa. Somos muito amigos”, diz.
A trajetória de Soutinho como empresário lhe rendeu homenagens também em vida, como a que recebeu da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2010, quando foi agraciado com a Ordem do Mérito Industrial, a mais alta comenda da indústria brasileira. No ano passado, ele foi homenageado pela Fiern com a “Medalha do Mérito Industrial Walter Byron Dore”, concedida anualmente aos que se destacaram como apoiadores e incentivadores do progresso da indústria do Rio Grande do Norte.
Em 2011, Souto lançou a biografia “Trabalhar e viver o que puder”, em parceria com Jacques Cassiano Fernandes Vidal, que narra os principais momentos da trajetória de vida do empresário. O livro foi lançado em solenidade na Fiern. Além da atuação no setor salineiro, Francisco Souto Filho também atuava na área de energia eólica no Rio Grande do Norte e no Ceará e na agropecuária.
Ele foi o primeiro presidente do Siesal, entidade que ajudou a fundar em 1953 e da qual só deixou a presidência em 2020, após ser reconduzidos à função por quase 70 anos. O empresário foi um dos fundadores da Fiern e integrou a Associação Brasileira de Extratores e Refinadores de Sal (Abersal), por mais de quatro décadas.
Aírton Torres, presidente do Siesal/RN e amigo de Soutinho há 55 anos, comenta que a perda será aliviada pela certeza de uma trajetória pautada, sobretudo, pela honestidade e integridade que o cercavam. “Perdi um grande amigo. Sua ausência entre nós vai fazer muita falta. Conforta, contudo, saber que sua trajetória de vida ilibada lhe assegura um bom lugar ao lado do pai eterno”, afirma Torres.
Ele destacou que Soutinho sempre se dedicou aos negócios e aos interesses da indústria potiguar. “É um dos mais expressivos exemplos do empreendedorismo no RN a ser reverenciado, graças a sua imensa simplicidade e ética nos negócios. Soutinho sempre honrou a classe empresarial do Estado, e tornou-se, por isso mesmo, digno aqui e além das nossas fronteiras, das nossas melhores homenagens”, pontuou.